A origem da palavra "homossexual"










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Karl-Maria Kertbeny (seu nome alemão) ou Károly Mária Kertbeny (em húngaro), 1824 – 1882, austro-húngaro nascido na cidade de Viena (onde recebeu o nome de Karl-Maria Benkert originalmente mas que mais tarde foi modificado para Kertbeny), filho de um pai escritor e pintor, foi jornalista, tradutor, escritor, biógrafo e militante dos Direitos Humanos. Ele introduziu nova terminologia sobre a homossexualidade no mundo, tendo sido o inventor do termo homossexual (bem como heterossexual, entre outros menos pertinentes na atualidade). A certa altura de sua vida a família Benkert transladou-se para a cidade húngara de Budapeste. Mais tarde Karl-Maria Kertbeny se radicou na Alemanha, precisamente falando, na cidade de Berlim; mas desde antes ele dizia sentir-se 'bem em casa' tanto na Áustria, na Hungria como na Alemanha.

Quando jovem, ao trabalhar como aprendiz de livreiro, Karl-Maria Kertbeny conheceu um rapaz que acabou se tornando uma pessoa, vamos dizer, bastante íntima dele, um moço que de fato era homossexual... Este seu jovem amigo acabou se suicidando mais tarde, por causa de chantagismos por parte de um sujeito extorcionista. Karl-Maria Kertbeny viria a mencionar esse episódio, futuramente, afirmando que isto o levou a estudar minuciosamente a homossexualidade, seguindo uma inclinação interior e instinctiva de lutar contra todas as formas de injustiça.

Após um breve período a serviço nas forças armadas da Hungria, Karl-Maria Kertbeny foi ganhar o pão trabalhando como jornalista e como escritor de matérias sobre viagens, vindo a escrever pelo menos uns vinte e cinco livros sobre os mais variados tópicos, nenhum destes com qualquer valor duradouro. Em 1847 ele mudou seu sobrenome legalmente de Benkert para Kertbeny, sendo este último um sobrenome húngaro com conexões aristocráticas. Eventualmente, em 1868, ele se radicou na cidade alemã de Berlim, ainda solteiro aos 44 anos de idade. Em seus escritos ele garantiu ser Sexualmente normal - e não existe nenhuma evidência que prove o contrário, apesar do ceticismo e das insistentes observações (insinuações) contrárias que viriam se acumular por parte de escritores de épocas subseqüentes às da vida de Kertbeny.

No entanto, a partir dessa data, Karl-Maria Kertbeny começa a escrever extensivamente sobre o assunto da homossexualidade, motivado, segundo ele mesmo, por um Interesse antropológico combinado com um senso de justiça e a uma preocupação pelos Direitos do Homem.

Em 1869, no anonimato, ele publica um folheto entitulado Parágrafo 143 do Código Penal Prussiano datado em 14 de abril de 1851 e as Suas Reafirmações em Forma do Parágrafo 152 no Código Penal Proposto na Nordeutscher Bund (Nordeutscher Bund = Liga do Norte da Alemanha). O escrito foi publicado como uma Carta Aberta 'Profissional' a Sua Excelência, o Doutor Leonhardt, Ministro Real da Justiça da Prússia. Proibição essa, vale notar, que permaneceu em vigor na Alemanha - como uma ferida aberta - mesmo depois de 1871 como o infame Parágrafo 175.

Um segundo folheto veio à luz na época na Alemanha, logo após o primeiro. Karl-Maria Kertbeny argumentou nestes escritos anônimos que a lei prussiana da sodomia, o Parágrafo 143, violava os Direitos do Homem. Seus argumentos se baseavam nas noções clássicas do argumento libertário de que atos sexuais consensuais efetuados fora da esfera pública não deveriam ser tratados como crime pela lei. Lembrando seu jovem amigo suicida de outrora, Karl-Maria Kertbeny construiu consistentemente o argumento de que a lei prussiana favorecia chantagistas a tentar tomar dinheiro de homossexuais e que isso freqüentemente os levava ao suicídio.

Karl-Maria Kertbeny também adiantou o ponto de vista de que a homossexualidade vem de nascença e que ela é imutável, um argumento que mais tarde viria a ser chamado de modelo médico da homossexualidade. Essa idéia contrariava a noção prevalente até aquela época, que homens cometiam sodomia por pura malícia (atos de sem-vergonhice). Homens homossexuais, disse ele, não eram afeminados por natureza, apontanto para o fato de que grandes heróis na história da humanidade tinham sido homossexuais. Karl-Maria Kertbeny foi o primeiro escritor a estabelecer por escrito estas noções desconhecidas pelo grande público europeu dominante.

No curso destes escritos produzidos por Karl-Maria Kertbeny ele criou a palavra homossexual (para ser exato, Homosexual no idioma alemão de então, mas que virou em Homosexuell no alemão moderno) como parte de seu sistema de classificação dos tipos de sexualidades existentes no mundo e num esforço para tentar suplantar termos pejorativos existentes na época, como pederasta ou pederastia, por exemplo, que eram amplamente utilizados por falantes dos idiomas alemão e francês espalhados pela Europa.

Karl-Maria Kertbeny decidiu chamar o homem que sente atração sexual por mulheres de heterossexual, o masturbador ele classificau como monossexual, os adeptos do intercurso sexual anal (ou Anhänger des Analverkehrs) receberam o nome de piguistas, ou piguista, no singular -- minhas transliterações ao português (sendo Pygist no singular e Pygisten no plural, no idioma alemão). Pouco sabido hoje em dia é que a origem deste termo, atualmente tido como arcaico, precede em muito a época de Karl-Maria Kertbeny, sendo já mencionado pelo britânico Henrie Cockeram em seu dicionário de inglês ...de palavras difíceis de 1623, onde ele explica que o pronome pygo, no grego antigo, significa buttocks ou rump (nádegas ou bunda, em português), que somado ao sufixo -ista, vem a significar pessoa que pratica sexo anal (ou buggery, em inglês). Seguem duas referências (em inglês) ao referido dicionário: LEME - Lexicons of Early Modern English: Henrie Cockeram, English Dictionary... (1623); para baixar uma cópia deste dicionário em formato gráfico/facsímile/em (PDF), entre aqui Godfreys Book-Shelf (consultar a página 136/169).

Os estudiosos dos clássicos (greco-romanos) jamais deixaram de lamentar Karl-Maria Kertbeny por seu neologismo homossexual. A palavra homossexual combina o prefixo grego, homo, que significa mesmo com um substantivo latino, sexus, que significa sexo (referindo-se a gênero). As regras de formação de palavras geralmente proibem a combinação de elementos gregos com latinos. Se fossem utilizadas somente palavras do grego, o novo termo teria ficado homoerótico e homoeroticista. O termo homossexual também pode causar certa confusão entre o termo grego homo e o termo latino homo, que significa homem como em homo sapiens. Ademais, muitas pessoas acreditam que homossexual é a pessoa que sente atração por homens e, portanto, não pode ser utilizada para se refereir às mulheres que são ou que se sentem... lésbicas.

Uma vez que homens se autoidentificando abertamente como homossexuais, como o doutor alemão Karl Heinrich Ulrichs (ou Karl-Heinrich Ulrichs), começaram a fazer campanhas pelos direitos do homossexual, Karl-Maria Kertbeny foi aos poucos desaparecendo do cenário da discussão sobre o tema. Para se ter uma melhor noção, Karl-Heinrich cunhou e disseminou o termo Urning para o homem homossexual, expressando idéias como a de casamentos de homossexuais (ou urnischen Ehe, em alemão), aliás, de passagem, idéias que foram severamente criticadas por Friedrich Engels em cartas a Karl Marx.

Se Karl-Maria Kertbeny era homossexual, ele jamais sentiu-se preparado para afirmar isso publicamente. Em 1880, ele contribuiu com um capítulo sobre a homossexualidade no livro de Gustav Jäger intitulado Entdeckung der Seele (ou "descobrimento da alma" - minha tradução livre, pois esta obra não foi traduzida ao português, pelo que eu saiba). O editor deste livro decidiu que o assunto da homossexualidade era deveras controverso e optou por omitir o capítulo de Karl-Maria Kertbeny na publicação do novo tomo. No entanto, Jäger também havia utilizado a terminologia de Karl-Maria Kertbeny em outras porções do livro e, assim, conseqüentemente, as novas palavras acabaram sendo publicadas.

O pesquisador de sexologia austríaco Krafft-Ebing (ou Richard von Krafft-Ebing) emprestou os termos homossexual e heterossexual diretamente do livro de Jäger em sua famosa obra Psychopathia Sexualis (1886). Krafft-Ebing ficou famoso por suas obras e ele se tornou tão influente que a nova terminologia de Karl-Maria Kertbeny utilizada por ele em seus livros acabou se tornando o padrão para referir a orientação sexual das pessoas (suplantando até mesmo o termo Urning criado por Ulrichs).

Karl-Maria Kertbeny não chegou a tomar conhecimento da grande aceitação de suas idéias no mundo. Ele morreu em Budapeste em 1882 aos 58 anos de idade.

Como tradutor, Karl-Maria Kertbeny traduziu escritores e poetas húngaros ao idioma alemão. Por exemplo, Sándor Petőfi, János Arany e Mór Jókai. Ele contou entre seu círculo de amigos pessoas como Heinrich Heine, George Sand, Alfred de Musset, Hans Christian Andersen e os Irmãos Grimm (ou os Gebrüder Grimm).

O escritor e historiador literário húngaro Lajos Hatvany se referiu a ele mais ou menos desta forma:

"Esse escritor cheio de venetas, tão agitado e imperfeito é o melhor autor de memoirs húngaro; mas ele é, desmerecidamente, um esquecido..." --Lajos Hatvany

Sua tumba foi redescoberta em 2001 pela socióloga Judit Takács que pesquisou extensivamente a vida de Karl-Maria Kertbeny. O local de enterro de Karl-Maria Kertbeny fica no cemitério Kerepesi em Budapeste, onde foram enterradas várias personalidades célebres dos séculos dezenove e vinte. A comunidade gay mandou construir uma nova lápide para seu túmulo e, desde 2002, os festivais anuais GLBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestís e Transgêneros) da capital húngara conduzem visitas cerimoniais ao seu leito permanente, lá deixando coroas e buquês de flores em homenagem a este pioneiro e grande contribuidor da história do movimento de consciência homossexual do mundo.

Traduzi/adaptei este texto ao idioma português a partir de originais publicados em alemão e inglês na enciclopédia livre Wikipedia.org, e várias outras fontes.

Favor sempre citar fonte e autoria em caso de reprodução completa ou parcial, e somente utilizar sem fins lucrativos (ver o selo "cc", logo abaixo); doutros modos, favor entrar em contato comigo.

-Paul


Paul Beppler
Riolingo.com
Seattle, Washington
EUA



Para encerrar segue também esta pequena nota de agradecimento pela inspiração para a produção deste texto em português sobre o pionerismo da homossexualidade no mundo ao estimadíssimo professor e antropólogo Dr. Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia.


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